... eu sugiro que leia “Fernando Pessoa uma quase autobiografia”, livro de José Paulo Cavalcanti Filho (Ed. Record). Leio Pessoa e sobre Pessoa faz bom tempo e imaginava conhecer um bom tanto desse português que um dia escreveu que sociologicamente o Brasil não existe. O livro é uma viagem na vida do poeta – desde o nascimento, a África, o regresso a Lisboa, o temperamento, o namoro com Ophelia Queiroz, os lugares, os amigos, a falta de grana, o mundo esotérico, a bebida e a morte por cirrose ou pancreatite. A descrição pelo autor, com palavras do próprio Pessoa, faz valer a leitura de suas mais de 700 páginas.
Sabemos que Pessoa foi de uma tristeza crônica, de muitas ambiguidades que se revelaram com muita clareza nos seus heterônimos – o poeta é um fingidor.
No Livro do Desassossego Fernando Pessoa diz, como Bernardo Soares, que “De tanto lidar com sonhos, eu mesmo me converti num sonho. O sonho de mim mesmo.” Essa prática de escrever usando nomes falsos foi usada por muitos escritores, filósofos, poetas, inclusive no Brasil. Pessoa, porém, foi além, pois atribuiu individualidade completa a cada um, aí incluídos estilos.
Heterônimos são pessoas imaginárias a quem se atribui uma obra literária, com autonomia de estilo em relação ao autor. Com essa característica há os três heterônimos mais famosos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. O livro revela a “vida” deles todos e, para minha surpresa, de mais 124 heterônimos, indicando que no total seriam 202.
O autor afirma que os heterônimos de Pessoa têm em comum a circunstância de serem todos derrotados, vencidos na vida. E diz:
“Quem escreverá a história do que poderia ter sido?” Essa história ele foi escrevendo aos poucos: africano, alemão, brasileiro, francês, inglês e português; monárquico e militante republicano; decifrador, filósofo, geógrafo, grafólogo, jornalista e louco; clínico geral, psicólogo e psiquiatra; homem, mulher e espírito; aristocrata, imperador romano, mandarim, marajá e paxá; adivinho, alquimista, astrólogo, bruxo, panfletário e especialista em capoeira; guarda-livros, pagão, cristão-novo, reverendo, sir, gente do povo e o menino de sua mãe. Assim, em todos esses rostos e muitos outros, se contando um pouco da história desse homem infeliz que sonhou ser tantos – e não conseguiu sequer ser ele próprio.
Tudo quanto penso,Tudo quanto souÉ um deserto imensoOnde nem eu estou.(Sem título – 18/3/1935 – Fernando Pessoa).
A leitura vale a pena.
Na vida todos temos um segredo inconfessável, um arrependimento irreversível, um sonho inalcançável e um amor inesquecível .
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