Meu irmão... (Toquinho).

Toquinho é mais do que compositor, é poeta de rara sensibilidade. Tenho hábito antigo de ler a composição, não somente ouvir a música. 

Lendo "Memórias de Canções - Toquinho", de João Carlos Pecci e Wagner Homem (Ed. Leya), pode-se conhecer a história de cada uma das composições. João Carlos, que é irmão de Toquinho, ficou paraplégico em acidente que sofreu em 1968. Tornou-se artista plástico e sua luta para voltar a andar ele retratou no primeiro livro que editou: "Minha profissão é andar".

Conta, no livro, que quando terminou de escrevê-lo entregou o original a Toquinho, que estava de partida para o Rio de Janeiro, pedindo que lesse e fizesse suas considerações. Toquinho voltou na noite de Natal e João Carlos lhe perguntou: "E aí, não tem nada pra me dizer?" Em resposta, Toquinho entregou-lhe uma fita cassete, dizendo: "O que tenho pra te dizer está tudo nessa fita."

João ouviu a música muitas vezes, cada vez mais emocionado. Assim expressou no livro: "Cada vez que escutava, fabricava dentro de mim um novo nó, bloqueando um prato que encheria caldeirões. Arrependi-me. Devia ter deixado vazar tudo, em forma de abraço, aconchego, cochichos, mão na pele, gritos, broncas, gargalhadas, tudo o que a distância tem-me roubado com esse irmão."

Vale a pena ler...

 

Meu irmão,
Faz muito tempo faz
Que eu não te canto
Uma canção.
Que eu não te conto uma aventura,
Um sonho, uma ilusão.
Que eu não me sento calmamente
Junto com você.
O tempo passa...

Meu irmão,
Comigo os dias normalmente
Cumprem sua função
Entre sinuca, futebol,
Amor e violão.
Mas quando o tempo escurece,
Vêm os temporais,
E nem blasfêmias, crenças, preces
Não ajudam mais,
E a gente perde a paz...

Aí eu lembro de você
E essa lembrança me agiganta.
Me faz vencer a dor
E quando caio me levanta.
Me faz conter o tempo
E põe o mundo inteiro
Em minhas mãos...

Você meu grande herói,
Mais poderoso que o inimigo.
Você, constante amigo,
Meu distante companheiro.
Você, que o tempo inteiro
Não tem medo do perigo, não.